sábado, 27 de março de 2010

Gaveta de flor de jacarandá




O ranger acordou-me quando cheia de temores tentei abrir, a minha gaveta mais fechada da minha alma.
Fiquei estática, tremendo, sentindo que deveria continuar fechada
Levemente sem precipitações nem sofreguidão…
Sem testemunhas, sem partilhas.
Abri de mansinho na escuridão da noite a minha gaveta selada pelo tempo.
Não quis nem a luz acesa, nem presenças que me são queridas.
Abri e fechei-a de novo!
Fiz mil vezes…Tantas vezes!
Meus joelhos tremiam no sossego de uma noite tão fria, que mais fria ficou.
Apenas uma leve ranhura para a espreitar no escuro do meu quarto.
Meus olhos viam mesmo na escuridão, como querendo vislumbrar na noite tudo o que tinha guardado.
Sentia-me tão assustada, hesitei tanto…não fosse o perfume que dela exalava, ter-me embriagado.
Cheirava a flores de jacarandá!
Jacarandá de terras distantes, perdidas na memória dos homens
Lembrada mil vezes por mim, sempre em surdina.
Senti-me extasiada, inebriada, no perfume forte!
Tão forte que era, do tempo fechado.
Como num conto de fadas e em turbilhão de sentidos…
A gaveta estendeu uns braços que me acolheram e me fecharam dentro.
E….vi-me num parque enorme e florido, calcando pegadas, vestígios de tempos remotos.
Segui pisando os passos marcados na relva.
Angustiada e perdida porque os passos marcados acabavam sem rumo.
As flores de jacarandá caíam mansamente apontando-me o Inverno da vida.
Fiz contas ao tempo…do tempo em que ali estivera.
Tudo se passara, tudo tinha sido realidade.
Não foi nem sonho, nem imaginação.
Tudo existiu e quis apagar, escondendo na gaveta, memórias.
Apenas memórias!
O parque era o mesmo despido de flores.
Apenas os passos marcados no tempo.
Voltei correndo para a gaveta escondida dos meus sonhos.
Entrei exausta mas serena.
Consegui abrir a gaveta que permanecerá encerrada para que dela não se escoe o perfume das terras da flor de jacarandá.
Das terras distantes onde menina, a ilusão foi minha companhia
Onde o meu sonho se esfumou …
E apenas permaneceu na gaveta cerrada da minha alma.

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